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"A única coisa que cai do céu é chuva. O resto é luta"


Tudo começou no ano de 2008 quando o Nuno decidiu inserir num buraco de uma agulha do nosso escritório uma passadeira que apelidei carinhosamente de trambolho. Na altura identificava-me bastante com a Ritinha quanto ao seu uso. (ver aqui) Era apenas um mono que estragava a decoração do escritório e cuja máquina nunca pensei que me seduzisse como aconteceu. Sempre gostei de desporto mas sempre tive também alguma preguiça, ia experimentando desportos mas nada com muita consistência. O Nuno e os irmãos corriam e alguns amigos também e passado uns meses dei então uma chance ao maquinão. Comecei tão lentamente que dava dó. Andei semanas com os pulmões de fora e não conseguia correr mais do que 5 ou 8 minutos de seguida, demorou meses até conseguir correr os meus primeiros oito quilómetros na mini-maratona da ponte em Março de 2010. A partir daí sempre com alguma dificuldade mas com prazer continuei a jornada por essas estradas fora até ao ano de 2013 quando corri a minha primeira maratona, em Madrid que foi um dos pontos altos da minha vida. A primeira é sempre a primeira, é única, sentimo-nos como se nada fosse impossível a partir dessa data. É um boost de confiança, auto-estima e vitalidade e melhor que isso, descobrimos que somos muito mais fortes e resilientes do que até aí imaginávamos.


Depois dessa foram mais 7 (duas vezes no Porto, duas vezes em Lisboa, uma no Gerês e a Eco-maratona em Monsanto quando ainda era de noite. Depois houve Sevilha onde festejei o meu melhor tempo até à data, ainda acima das 4 horas (4h10).


Adoro correr porque me pára a mente, há pessoas que arrumam a cabecinha toda enquanto correm, organizam a semana, as tarefas, os pensamentos, as opiniões. Eu entro num estado de meditação em que penso muito pouco e quase só sinto. Como li uma vez a respeito da meditação mas que transpus para a corrida, muitas vezes começo um treino como um frasco de água com a areia (metáfora para os pensamentos) toda agitada misturada na água e depois no final do treino a areia está pousada na base do frasco e a água mais transparente e cristalina. Os pensamentos ficam arrumados e menos frenéticos. Tudo mais calmo dentro de mim. Sinto muita coisa, porque como estou com os meus sentidos todos apurados, tenho consciência de todos os pingos de suor que escorrem pela testa, os que seguem viagem até aos olhos e ardem, todas as pulsações que o meu coração dá, todos os músculos que queimam nas subidas, todas as respirações demasiado curtas e ofegantes que dou. É todo um devaneio que acontece quando calço os ténis, sejamos francos, correr é 90% de sofrimento porque custa mas quanto mais custa mais pica dá (ou às vezes não) e o que custa num momento pode custar muito menos passado umas semanas e é esta eterna impermanência que tanto nos motiva como desmotiva, dependendo da fase do treino em que estamos. Sabemos que se paramos duas semanas que seja, o recomeço é sempre doloroso, o corpo esquece, desabitua-se e temos que ter paciência de chinês para passinho a passinho corrermos novamente um bocadinho mais depressa. Mas temos que ser consistentes se queremos evoluír e temos que estar para aí virados. Há quem corra apenas para rolar, para descontrair e acho muito bem mas eu gosto de correr para me superar. Para tentar ir sempre um pouco mais além. É um jogo comigo própria e faz-me sentir mais forte, menos vulnerável a angústias e mais corajosa por me desafiar.


Quando estabeleço um objectivo treino com um rigor, devoção e com um afinco tal que não tenho por mais nenhum interesse na vida, não falho nenhum treino, longos, séries, subidas, a menos que seja por razões de saúde, foco-me de tal forma naquele plano nos meses em que demora a preparação para uma prova, que depois se não atinjo o objectivo que estabeleci fico com uma neura monumental. Nessas alturas penso que se calhar devia mas é ir tirar um curso de culinária, ou começar a nadar e largar o asfalto, porque uma coisa estranha em mim é que não sou muito optimista no geral mas, no que à corrida diz respeito, acho sempre que vou conseguir tudo o que desejo! E depois muitas vezes não consigo, porque apesar de treinar que nem uma moira, às vezes a cabeça não tem capacidade de sofrimento suficiente para aguentar a dor de alma que é necessária para estoirar com um recorde pessoal. Fico muitas vezes aquém, mas uns dias depois já voltou o optimismo e a vontade de voltar a tentar. É engraçado como a esperança se renova tão facilmente.


Mas correr é maravilhoso. Começa de forma complicadinha de manhã, quando acordo de madrugada, às vezes ainda de noite para ir correr, penso que bom bom era se caísse um meteorito em cima da minha cabeça ou na minha rua e que assim já não precisava de ir treinar porque ao pé de um meteorito na minha rua o que é um plano de treinos? Normalmente quando acordo cedo custa-me tanto mas tanto mas tanto que vejo a vida tão negra, é como se nada tivesse interesse ou importância, basicamente apetece-me eclipsar-me e não viver, até engolir um cafezinho e comer uma panqueca-buda e lá vou eu mais animada, faça chuva sol vento calor frio. E depois há aqueles dias perfeitos para correr, não sei se a perfeição está cá fora ou se está dentro de nós mas há dias em que vou a correr e penso que a vida mais bela que isto não pode ser, e tudo corre bem e depois de repente vamos tão absorvidos pelo nirvana que não vemos uma pedrinha da calçada que desapareceu e enfiamos o pezinho e o torcemos ou então, porque não, fazermos mais espalhafato e sermos o Papa João Paulo II e irmos beijar o solo e ali ficarmos a chorar sentadas no chão porque sangue e hematomas provoca toda uma crise vagal difícil de ultrapassar. Mas depois de baixar a cabeça e voltar a ter sangue nessa parte de cima do corpo, é abanar-me e continuar. Que não há tempo para mariquices parada, posso ir a chorar o resto do treino e a queixar-me que me dói o dedo mindinho do pé e que não sinto o pulso e que a anca está a estalar, mas vamos embora.


Os meus pais não acham muita graça a isto porque lhes preocupa o esforço que acham que deveria estar reservado a atletas de alta competição, e eu percebo que lhes faça confusão. Tento sossegá-los e dizer que sou muito consciente e sei ouvir o meu corpo e faço exames cardíacos com regularidade. Tenho o sonho que um dia quando correr novamente a Maratona de Lisboa, os veja na meta à minha espera, já que o meu pai adora atletismo e talvez ache graça ver chegar a Rosa Mota da família e a minha mãe vai ficar muito aflita mas vai gostar de me entregar umas fatias de bolinho amarelinho (o melhor bolo do mundo feito por ela) logo que pare e diga que estou cheia de fome!



A décima "maratona" será maiorzita do que uma maratona. 2018 é o ano das ultras. É continuar a ter saúdinha e muita paciência para me aturar a mim própria a treinar, muita persistência para aguentar os dias em que falho o objectivo desse treino e me sinto uma tartaruga diabética, arcaboiço para aguentar o súbito aumento louco de apetite que me faz sonhar a toda a hora com pães de leite e bolos de arroz mas sobretudo muita mas mesmo muita vontade de continuar a ser feliz enquanto corro.

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