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Meu Avô.


Esta noite sonhei consigo. Já partiu vai fazer este ano três natais e sonhei que estávamos juntos em Ílhavo na casa onde sempre passei a quadra. Naqueles sofás de veludo que faziam a minha asma disparar estava sentado o tio João e de repente o Avô apareceu ao lado dele, mas eu sabia que já tinha morrido. Surpreendi-me com a sua presença e pensei que se o abraçasse se esfumaria, como acontece nos sonhos, sem saber que estava a sonhar. Quando já cá não estão, os sonhos com essas pessoas são sempre presenças levezinhas, quase transparentes, muito de passagem, o cheiro que tentamos não esquecer, o tom da voz que tentamos relembrar. Naquele sonho pus-me ao seu colo e abracei-o. E surpreendi-me porque não se esfumou, estava ali, grande, quente, vivo, de perna cruzada como era costume. A sua voz que enchia uma sala e as suas expressões que enchem um dicionário da família com já mais de 500 entradas, estavam presentes. E eu não o abraçava muito quando ainda era vivo, porque não sou muito de abraçar, limitações da minha pessoa com excepção em relação às minhas meninas. Mas gostava tanto de si e ali abracei-o e encostei a cabeça no seu ombro, vi a sua pele e era tudo tão real e o Avô continuou a falar para a sala, como sempre fez, com histórias engraçadas e mirabolantes e teorias só suas, que ainda hoje persistem em todos nós que ficámos para trás. Uma delas e que ouvia sempre que tinha acessos de alergia naquela casa cheia de memórias e ácaros também, me perguntava se estava constipada e eu respondia "não, Avô, é alergia." E O Avô revirava os olhos, apertava-me o joelho e dizia "oh! Isso das alergias é tudo uma invenção!"


Mas no sonho o Avô estava tão presente que senti mesmo que estive na sua companhia. E talvez os sonhos sirvam para isso também, para irmos até outra dimensão onde estão as pessoas que já partiram. Eu que acredito num seguimento para tudo isto que é a vida... sei que hoje estava numa divisão da minha casa onde numa prateleira bem lá em cima tenho esta fotografia sua comigo e a moldura caiu de repente aos meus pés, partiram-se os vidros todos. E eu falei consigo, disse "Olá Avô, venha passar o Natal connosco!" Venha para o ouvirmos a dizer que o bacalhau está pilha. Para voltarmos à corrida à volta do fogão com os quatro bicos a bombarem com panelões cheios de postas de livrinhos e a tentarmos atrasar a hora do jantar para a noite durar mais tempo. O Natal nunca mais será o mesmo sem avós. Essas pessoas quentinhas que partem sempre cedo demais. Sentimos todos a sua falta Avô. Feliz Natal nesse cantinho onde está de mão dada com a Avó.


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