A minha Miss Little Sunshine
A Rita carrega o fardo de ser a minha última filha, e portanto tentei estender o período de pequenez dela o máximo que pude, ajudou-me o facto de o ano passado ainda dormir rodeada de bebés e bonecos, tinha um berço daqueles que se encaixam no colchão e tinha lá a sua Carlota e ai de mim que pegasse nela pela perna como uma boneca, tinha que a tratar como um bebé verdadeiro. A certeza de que somos capazes de tudo para ver os nossos filhos felizes, é que tratava mesmo e juro que levava a tarefa tão a sério que quase a ouvia a respirar e por pouco não a pus a arrotar.
O 5º ano e a mudança de escola, trataram de me mostrar que o tempo não pára para acalmar mães saudosistas. Apesar de uns flic-flacs com mortal engrupado à rectaguarda que me fez dar no início do ano devido a uma adolescência galopante que repentinamente deu à costa, é uma menina que tem uma alegria que contagia, continuo a vê-la como o sol aqui de casa porque é raro aquela carinha não estar a sorrir. Adora cozinhar comigo e seria a única a alimentar as bocas desta casa caso eu não pudesse. A música é uma das grandes paixões e estou sempre a par das novidades se for para o quarto dela e ficarmos por ali só a ouvir música as duas. Chega ao carro e a primeira coisa que faz é mudar a estação de rádio para a Megahits, portanto eu tive que acalmar os fernicóques, descer do meu pedestal da música alternativa e começar a tentar apreciar também música mais pronto-a-comer, e o entusiasmo dela é tão grande que dou por mim a trautear raps e Djs e featurings quaisquer coisas. Mas depois consigo mostrar-lhe mantras lindos que gosto de ouvir desde que vim da Índia e ela tenta verdadeiramente ouvir e gostar enquanto goza um bocadinho comigo, mais ninguém aqui em casa tem esta paciência para parar tudo e ouvir músicas repetitivas indianas, rimos as duas porque ela diz que me estou a transformar numa Buda, o que quer que isso queira dizer.
Mas o mundo da música na idade dela é tão rápido, músicas com um mês já são antigas, é com ela que tento compreender este novo mundo tão fugaz, em que é tudo tão efémero, tão em tempo real, tão por detrás de um ecrã de telefone. Dança, toca piano, e depois ainda faz ginástica, nos finais do dia, às vezes fazemos grandes espectáculos no hall da casa as duas ou então fico só a contemplá-la enquanto dança e faz pinos e espargatas e rodas rodadas e eu que nunca soube fazer uma simples roda e pedia constantemente à minha mãe para me escrever recados para faltar às aulas de educação física quando sabia que ia ser ginástica, fico extasiada com a desenvoltura e com a flexibilidade. E naqueles minutos vivo um bocadinho através dela.
Espalha-me a casa com obras de arte com material que resgata do lixo ou do reciclado, às tantas eu desoriento-me porque quero guardar tudo mas não há mais espaço para tantas invenções, fábricas de slime, quadros com pregos espetados e linha verde a fazer um cacto, casas de bonecas com caixas de sapatos esculturas e olhos pintados a carvão demasiado reais, espalhados pela casa que me dão calafrios como se alguém me estivesse a observar. A casa-de-banho cheia de espuma de barbear e líquidos para as lentes de contacto e cola branca e bicarbonato de sódio onde ela cria o famoso (e parvo) slime. Caixas e mais frascos cheios de uma espécie de ranhoca mais cremosa que faz barulho quando se toca e que é o maior dos sucessos nas meninas desta idade.
Não conta muito da sua vida, é um mistério para mim o que se passa no seu mundo interior. Mas depois de noite é a loucura, farta-se de falar enquanto dorme e torna-se assustadora porque é sonâmbula e eu que tenho sono levezinho dou sempre conta quando anda a passear pela casa durante a noite. Fico sempre na dúvida se me levanto ou não porque juro que tenho medo dela . Na penumbra da casa, tento descobrir o vulto pelo barulho, sempre com medo que ela me assuste. Quando a encontro tento nem estabelecer contacto visual porque nem sei explicar, mas a meio da noite tenho tendência para uma criatividade enorme para o disparate e imagino coisas dignas de um filme de terror. Então acabo só por a guiar de volta para o vale dos lençóis, dar-lhe beijinhos e fugir dali o mais depressa que conseguir, porque ela ainda fala, numa língua estranha e imperceptível e confesso que nunca sei o que pode acontecer. Uma vez fui dar com ela a dormir ao pé de uma extensão daquelas grandes, cheias de tomadas ligadas e ela com a cabecita colada à electricidade. Portanto quando decido levantar-me e ir resgatá-la desse passeio onírico, nunca sei com o que me vou deparar. Isto quando não a ouço a abrir e a fehcar o roupeiro e a vestir-se para ir para a escola à 1 da manhã. Normalmente quando chega a este ponto, ela acaba por se aperceber sozinha. E volta a deitar-se já vestida para a manhã seguinte. Eu também fazia isto nos tempos da faculdade.
Se não estiver enfiada no mundo do instagram, do musically e dos youtubers, consigo resgatá-la para a paródia, adora jogos de tabuleiro e se eu estiver muito cansada e não conseguir mais do que estar deitadinha com ela no sofá, escolhemos programas de culinária e somos fãs da Tia Cátia e tentamos aprender a cozinhar coisas saudáveis. Já me ultrapassou no empratamento, normalmente tudo o que come tem que embelezar primeiro, quer seja uma bucha ou algo mais modernaço como uma bowl da moda com sementes de cânhamo e chia e coisas dessas que ela acha piada e já se habituou a comer. De vez em quando rebela-se contra o saudável e a linhaça e o integral e sentencia que está farta disso e vai mas é fazer umas belas de umas panquecas com farinha branquíssima de trigo, com óleo fula e com leite de vaca e ovos e depois ficamos as duas cheias de gases e arrependidas a dar puns toda a noite e a rogar pragas à farinha do demo.
No outro dia estávamos as duas a fazer um jogo maluco em que eu dizia uma palavra e ela tinha que fazer as letras apenas com o corpo, no chão. A palavra era frango e não passámos do N. Ela tentou, mas não se safou. Eu chorei a rir.
Exemplos de N's:

Depois safou-se melhor nesta palavrinha linda como ela:

Parabéns minha Ritinha pelas tuas 12 voltinhas ao sol, como costumas dizer, continua assim como és, feliz e luminosa, a deixar esse toque de beleza em tudo o que tocas, e de alegria onde quer que estejas. Continua a rir-te da e com a tua querida mãe. Serei sempre um bocadinho maluca mas sei que a tua alegria também vem de conviveres com a luz que gosto de lançar pelo nosso caminho.