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Desabafos de uma futura-(rezemos)-triatleta #1


Tudo começou num aniversário de família, o meu cunhado Ricardo falou de mansinho ao meu cunhado João de uma prova diferente para nos inscrevermos. O Half IronMan de Cascais. Ficaram ali a trocar cromos e o João vira-se para mim e diz-me: Vamos, Inês? E eu disse logo que nunca, jamais em tempo algum. Que não contassem comigo.


Tudo por causa da bicicleta. A verdade é que sou uma verdadeira maçarica a pedalar, ando no Alentejo para ir ao café da rampa e pouco mais. O selim normalmente vai sempre o mais baixo possível para ter acesso do pé ao chão no imediato. Ou seja a bicicleta parece sempre muito muito pequena para mim e para subir algum passeio eu descia da máquina, subia o passeio e voltava a sentar-me. Era este o nível de inabilidade.


O que é facto é que naquela noite aquilo ficou ali a marinar, mas são aqueles desvarios que rapidamente pomos de lado com razões altamente estruturadas e irredutíveis e a coisa foi passando. Mas também foi voltando. E houve um dia em que achei que era capaz e por impulso inscrevi-me na prova e enviei-lhes a inscrição com aquela certeza absoluta que se iriam inscrever todos a seguir. :) Errado. Ninguém se inscreveu. Tiveram muito mais juízo do que eu e de repente vi-me sozinha a ter que lidar com a minha maluquice e ter que começar a pensar a sério em arranjar forma de não desistir. Não contei a quase ninguém para poder mudar de ideias se quisesse. No trabalho durante os almoços todos os dias levava uma pequena preocupaçãozinha para debatermos. Tanta paciência têm os meus colegas. Em casa aturavam-me com os meus dilemas existenciais diários de como iria dominar o demónio da bicicleta. Além da minha falta de habilidade natural, teria que aprender a pedalar uma bicicleta com rodas demasiado fininhas para me garantir tranquilidade e estabilidade, depois os (sacanas) dos sapatos de encaixe que facilitam a vida a cabeças complicadas como a minha, depois a posição inclinada para a frente e o facto de pronto, serem 90 kms, depois de 1,9 kms a nadar e ainda no final ter que correr 21 kms.


Comecei então do princípio, comprei a bicicleta mas como sou pequena, tive que encomendar tamanho XXS e demorou uma eternidade a chegar. Durante essa eternidade fui nadando e correndo e panicando por antecipação em relação à outra modalidade. Mas quando digo panicando não estou a exagerar, eu deitava-me a pensar na bicicleta a acordava a pensar nela, era como se fosse uma paixão assolapada mas pela negativa. Não me saía da cabeça, até tenho vergonha de assumir, mas o medo era tão grande que tive nervos das crises de meia idade que nos dão aos 40 e tal anos e que nos põem a fazer coisas que nunca julgámos fazer porque de repente sentimos que a morte se aproxima e que se não é agora, não é nunca.


Quando a bicicleta chegou escolhi pedais normais, os de encaixe tentaria mais para a frente, havia toda uma série de stresses a ultrapassar antes dos sapatinhos de sapateado foleiritos. Nesse dia vim com ela a pé estrada acima e meti-a num canto em casa com medo dela. Sem estabelecer contacto visual com a assombração. Podem achar que sou exagerada e sou mesmo. Sou uma exagerada de primeira mas vivo esse exagero na pele e quem me dera ser menos medrosa. No dia seguinte logo experimento, pensei... Mas aquilo estava a enervar-me. O raio da máquina a dominar-me. Não podia ser, calcei os ténis e fui para a garagem dar voltinhas. Caí uma vez só a tentar montá-la. Baixei o selim e a coisa compôs-se. Cheguei a casa excitadíssima que tinha conseguido dar umas voltas na garagem. Vejam o nível! Quando digo que comecei do zero é este zero! Talvez nem seja do zero, mas de terreno negativo. Voltinhas na garagem deram-me a maior das felicidades.


A primeira vez que fui para a rua fui com o Nuno que me levou a pedalar aqui por Benfica nas ciclovias. Como moro no Alto dos Moinhos, na primeira descida ia ficando sem mãos de tanto travar. Tinha pedalado 200 metros e já estava de rastos. E basicamente cheia de medo dos carros. Das pessoas. Dos semáforos. Das passadeiras. Das rotundas e dos pinos nas ciclovias. Achava que era possível morrer na próxima hora. Foi um bocado stressante mas já era uma experiência. Outro dia decidi ir sozinha até ao Campo Grande e voltar. Saí de casa às 6h da manhã para não haver vivalma na rua nem carros a atrapalhar os meus movimentos. Percebi afinal que a esta hora já há muita gente na rua. Mas a coisa até correu bem, excepto quando é necessária uma precisão que não tenho para contornar coisinhas estreitinhas que há por aí. Percebi também que neste registo pedala-se muito pouco e que teria que andar em estrada mais aberta para começar a alongar distâncias e pedalar mais depressa. E ganhar mais confiança.


E tive então um dia de dar corda aos sapatos numa estrada a sério, tentar aprender a hidratar-me enquanto pedalo, a acertar com o cantil nos ferrinhos de volta onde eles vão presos sem tirar os olhos da estrada, coisa que ainda não aprendi totalmente, depende dos dias e ainda conseguir tirar barritas dos bolsos das costas e dou comigo a ver a Volta à França como se estivesse a ver uma série top do Netflix.


O diário continua outro dia, com muitas aventuras de uma miraculosamente-construída do zero-triatleta :)

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